segunda-feira, 8 de dezembro de 2008

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sexta-feira, 5 de dezembro de 2008

Epifania de Volta


Na volta para casa o ônibus corria lento e parava repetidas vezes. Encostada em uma das laterais, eu observava as luzes amarelas se mancharem sobre a noite antecipada.

Suspirei na parada de mais um dos muitos pontos, quando ao erguer os olhos percebi a rara figura sentada à minha frente. Era um homem alto, de ombros largos e pernas longas cujos joelhos apontavam ligeiramente para cima. Mas o que me chamou a atenção não foram os centímetros a mais, mas sim o fato de que aquele homem parecia pertencer a outra época. Das vestimentas às feições longas, nobres e pomposas, aos cabelos de corte reto pouco abaixo das orelhas, que caíam sobre seu rosto quando dirigido ao caderno aberto em seu colo. Assim ele escrevia, o que era presumível pela sua expressão, não ser nenhum tipo de trabalho. Tinha mãos enormes, seus dedos compridos e ágeis brincavam com a caneta enquanto observava as pessoas absortas, até que seus olhos voltassem novamente ao papel e a caneta ao seu mover usual.
Seria um escritor? Talvez tomasse notas ao observar as pessoas, que mais tarde serviriam de base para seus próprios personagens. Ou quem sabe fosse apenas um poeta anônimo com muitos textos sem revisão espalhados pelas gavetas...

No ponto seguinte entrara um homem que carregava várias coisas de forma desajeitada. Entre elas, grandes enfeites plásticos infantis de Natal, daqueles descartáveis. Reparei no boneco de neve já amassado, imaginando que tipo de crianças sorririam ao receberem o presente em casa. Pensamento que durou poucos instantes, já que o suposto escritor me intrigava muito mais. Assim observava novamente a caneta que preenchia a folha de papel, cada vez mais atraída pelos dedos compridos, imaginando como gostaria de perder minhas mãos entre eles, e desviava tímida sempre que ele levantava o olhar em minha direção.
O homem dos enfeites estava agora parado de pé à sua frente e do moço sentado ao lado. Com dificuldade pelos freios do ônibus mais a falta de apoio, abriu uma das sacolas de onde tirou um pedaço de bolo, ou um muffin, não saberia dizer. Deu as primeiras mordidas da mesma forma desajeitada. Lembrei-me de que ninguém gostava de ser observado enquanto mastiga e logo me pus a mexer com o botão pendurado na mochila, ainda um pouco incomodada. Segundos depois caía um pedaço de bolo em meu colo. A expressão àquele farelo coberto de doce de leite foi um sorriso desacreditado de que aquilo realmente estaria acontecendo. O moço ao lado também ria. Logo o homem percebeu o descuido e retirou o pequeno pedaço, desculpando-se. Tive a impressão de que ele tinha posto na boca novamente, o que não quis conferir, apenas disse que “tudo bem”.
O homem do bolo começara a conversar animadamente com o moço ao lado. Até esse momento não tinha percebido que eram conhecidos. Devido às distrações, esqueci-me por uns momentos da figura do passado e suas belas mãos. Porém logo tornava a admirar o suposto escritor, imaginando se ele teria relatado aquele momento engraçado do qual tinha acabado de ser vitima. Foi quando vi que ele ria gostosamente, enquanto olhava na direção do homem do bolo. Com isso me dei conta de que ele realmente não conhecia o moço ao lado, que também se divertia ao ouvir os casos que o homem tinha disparado a contar sobre sua vida, o trabalho, de como estava feliz por ter ganho aqueles enfeites, com uma expressão infantil e extremamente alegre. Na verdade a criança sempre tinha sido ele, que morava com a mãe. Ele falava e falava, sobre coisas que um desconhecido não faria a mínima questão de saber. Mas o moço mostrava-se interessado e fazia mais e mais perguntas sobre o que ele contava, que recebiam respostas longas e aleatórias. Mais pessoas do ônibus agora ouviam atentas ao diálogo e todas sorriam. Eu também ria, adorando o clima criado pela por aquela situação incomum.
O escritor tinha novamente se voltado para o papel, onde sua caneta rabiscava em traços rápidos. A curiosidade era tanta, que queria mesmo era roubar o caderno e conhecer toda a sua visão, na verdade para saber se tinha alguma referência à mim, mas as mãos dele eram bonitas demais para ficarem desocupadas. Já não prestava mais atenção na conversa, mas não conseguia tirar o sorriso do rosto. Interrompendo a escrita, o escritor de súbito olhou para mim, que ri, e ri ainda mais quando ele respondeu contagiosa e deliciosamente, como da primeira vez. Era tão hipnotizante que desejei que a conversa sem nexo não terminasse nunca mais, para que ele se divertisse ate o fim da viagem.
Infelizmente o ponto do homem dos enfeites chegara, e ele se despediu de todos, que também se despediram dele, alegres. Talvez tivessem percebido que seus problemas não eram nada, depois de conhecerem aquele homem de vida muito mais complicada, e no entanto muito mais feliz por coisas tão simples. Tive quase certeza que o moço ao lado também pensava a mesma coisa, ao olhar vagamente e satisfeito para a parede em frente. A situação se foi, e eu já me sentia envergonhada por nao conseguir esconder a alegria estampada no rosto.
Com o ônibus praticamente vazio, o ponto finalmente chegou e o escritor fechou o caderno, abrindo espaço para a menina ao seu lado se levantar. Ao passar por ele, mostrara um último sorriso, também respondido, dessa vez com outro significado.
Desci do ônibus e após alguns passos olhou para o assento onde ele se encontrava, mas nao havia ninguém. O escritor também estava na calçada, por onde seguia na direção oposta. Ele se virou para mim um instante depois, voltando em seguida ao seu caminho, enquanto eu virava para a outra rua. Por trás do baixo canteiro da casa da esquina ainda podia vê-lo, e ele se virou e voltou rapidamente, se virando de novo como se conferisse se eu ainda o olhava ou tinha sido apenas impressão. Assim nos acompanhamos por um momento breve, até que nos afastamos demais para qualquer visão. Por impulso voltei correndo para a esquina, apenas para observá-lo enquanto ia embora, e ele se virou novamente. Foi quando desapareci, correndo de volta para casa sobre a fina neve que cobria a calçada que parecia linda demais, brilhante, refletindo a luz dos postes amarelos, complementando a imensa sensação de felicidade.

segunda-feira, 1 de dezembro de 2008

A Volta


19h42
Fim de mais um dia de comércio fechado,
O metrô praticamente vazio, apenas uns poucos casais nos bancos duplos, que se aquecem nos 13 graus, na volta do cinema.
The Nothing Song - Sigur Ros
As placas verdes iluminadas do corredor escuro correm embaçadas por trás de seu reflexo estático, inexpressivo.
Foge da visao que não a agrada, e repara nas faces silenciosas, antes de fechar os olhos.
De repente a mão que se apoiava em uma das laterais do banco único nao está mais tão fria, e levanta-se ligeiramente para que outros dedos possam se entrelaçar por completo. Os olhos lutam para se abrirem e buscarem os outros ao lado, mas apenas a mesma mão reage, ao apertar fortemente a outra, na esperança de que seja o suficiente para que ele não vá mais embora. E aperta os lábios, na passagem da melodia de segundos angustiantes.
As cores tomam forma mais uma vez, pelo silêncio.
"Snowdon", a voz anuncia.
Levanta-se em direçao à porta com força tirada não se sabe de onde. As mãos congelavam.
19h51