quinta-feira, 6 de agosto de 2009

Vinho

As batidas soavam contínuas, interrompendo a calmaria de seu denso mar, como pedras a perturbar as águas, espalhando ondas crescentes pela sua superfícia lisa. O som que vinha de trás da porta deixou os olhos sensíveis à luz e também à lucidez e foi por esta que se levantou de um pulo, os pés doídos de salto correram depressa. As batidas continuavam, impacientes.

"Lea, está aí?", soou a voz masculina. Bate, bate, bate.

Tinha medo do que sairia de sua voz. Das muitas sensações que tinha, não sabia qual delas soaria mais alto. Tinha raiva, sim, estava tão frustrada! Isso são horas de chegar? Mas afinal, finalmente, não? Anseava tanto por esse momento que transbordava felicidade, nervosismo, até medo. Qualquer que fosse a causa, suas mãos tremiam, pouco ágeis defronte ao espelho, ao arrumar depressa os cabelos levantados de um lado pelo travesseiro. Que cara péssima. Choque. Pousou as mãos na mesa, atenta. As batidas cessaram. Amarrotada, tonta e descalça correu à porta e escancarou-a. A surpresa pelo ato brusco surgiu na parede oposta, que logo se desvencilhou em um sorriso, ocupado pelo cigarro, os olhos fixos, provocantes. Bangue! Bateu novamente a porta na cara da razão única por toda confusão que sentia. Jogou-se impedindo inutilmente uma possível abertura. Ofegava e observava no quarto as marcas de sua espera, tudo tão patético quanto ela. Os saltos jaziam jogados à um canto, não muito longe do par de taças tombadas, uma delas ainda com resquícios da metade do vinho que faltava na garrafa, sua única companheira naquela noite de horas lentas. Suspiro.

Ora, para quê? Girou novamente a maçaneta, delicada agora, apreensiva. O ar saturado de cigarro invadiu o quarto, fruto do ar de sua boca... No chão, um bilhete: "Me espere amanhã, às oito." Se fechou mais uma vez, em silêncio, ao lado do relógio que denunciavam as três primeiras horas. Melhor fingir que nem aconteceu.

No dia seguinte comprou um whisky.



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