terça-feira, 15 de dezembro de 2009

Folhas


Em uma tarde fresca, eu caminhava a esmo, movido apenas pela vontade de me afastar o máximo possível de qualquer fragmento da realidade. Cheguei a uma praça que costumava freqüentar em um passado mais leve, distante, quando ainda sorria para as pessoas na rua e me animava com todos os desafios que a vida poderia me dar. Hoje, temia essas mesmas faces, que só exibiam cobrança e julgamento, por minhas falhas, minha prepotência. Sentei-me em um banco vazio qualquer, e suspirei em uma tentativa de liberar alguma parcela de preocupação. Inútil, dessa vez não havia volta. Alimentei por anos um casamento frio com minha presença artificial, que começou apenas por minha impaciência e pressão alheia. Minha vida até ali era uma imagem inventada, no entanto era estável e poderia me concentrar no que quisesse, pois as outras coisas sempre se ajeitavam naturalmente.

Fechei os olhos para focar-me em um vazio que sabia estar em algum lugar em minha mente e ingeri com silêncio o triste som da flauta que se ouvia ao longe. Ao abri-los novamente, mirei as folhas de outono que eram levadas pela brisa, sem realmente prestar atenção, consumido pela culpa. As mais distantes traziam consigo passos conhecidos, que vinham em minha direção. Vi de longe a menina que um dia estivera em meus braços, e a nostalgia veio acompanhada da evidência do tempo. A mulher que andava distraída e elegante pouco mantivera de seu ar juvenil. Ri internamente ao reparar que ainda se vestia de cores. De nada adiantava disfarçar, em pouco ela me reconheceria; ainda era o mesmo, apesar das marcas do tempo.

“Tom?”

E percebera mais cedo do que esperava. Acima da surpresa, Mia foi tomada por pena de minha figura miserável, que há anos a havia deixado da mesma forma, por razões infames. Por um instante, não soube como reagir. Esbocei um sorriso, convidando-a dizer o que bem entendesse, os piores xingamentos, pois eu sabia que merecia, e nada poderia fazer-me me sentir pior.

Mia não disse nada por alguns segundos, e sentou-se ao meu lado. Sentia seu olhar sobre mim, a espera de qualquer manifestação, mas eu a evitava, ainda observando as folhas.

“Que azar, não?’, começou ela, como se estivesse comentando o tempo, “o ideal seria nos encontrarmos depois de tanto tempo quando ambos estivéssemos felizes e realizados, daí faríamos comentários casuais sobre nossas vidas normais, como se aquilo realmente não importasse, e o fim fosse seu destino merecido...”. Parou por uns intantes, e brincava com os dedos enquanto pensava no que dizer, um antigo hábito, e enfim continuou, “No entanto, aqui estamos, nesse presente desmanchado, e não posso deixar de incomodar-me com o fato de que voltarei para casa com a dúvida de que poderia ter sido melhor permanecermos como estávamos”, declarou apertando minha mão com mais força, soltando-a em seguida.

Olhei-a diretamente pela primeira vez, e estava tomada por angústia. Não poderia haver pior castigo que tal visão. Quis abraçá-la, dizer que nada realmente aconteceu, que o tempo parou em uma daquelas madrugadas quentes e embarcamos nessa ilusão terrível. Era apenas fechar os olhos, que amanheceríamos juntos, como todos os dias. Mia afastou os longos cabelos negros de sua face, em um gesto muito seu, e olhou-me atentamente, como se estivesse a me analisar. Sua expressão foi tomada por uma sensualidade súbita; com os lábios ligeiramente abertos, escondia parte de sua face atrás do braço que segurava os cabelos para trás, como se fosse um mistério almejável, irresistível. Foi com esses truques, que, mesmo inconscientes, ela me teve todas as vezes. Mia simplesmente adorava ter domínio, e se deleitava com a minha vulnerabilidade. E ela sabia, sabia ter me conduzido mais uma vez. Para minha surpresa, segurou meu rosto em suas mãos, algo que ela sempre fazia quando pretendia desvendar-me e me olhou nos olhos, de forma intensa, mas inexpressiva. Eu apenas deixei-me levar, por aquelas mãos macias que suavemente levaram meu rosto de encontro ao dela, e beijou-me um beijo seco, amargo, deteriorado pelo tempo. Seus lábios deixaram os meus com a vagareza e o peso de um adeus. Antes que pudesse abrir os olhos, a brisa levou-a, e com um leve balançar de seus cabelos ela foi se tornando pequena, até ser apenas uma sombra irreconhecível. As folhas agora me abandonavam, correndo em sua direção, guiadas por um destino que eu jamais poderei alcançar novamente.

3 comentários:

Rodrigo Vignoli disse...

Nossa!
Eu 'entendi' tudo, cara!
E não parei até agora de me questionar se eu seria fiel ao que eu sempre digo de que finais são definitivos. Eu não sei se eu teria coragem de negar o beijo, como eu sempre digo que sim.
Acredito que meu eu Mia seria assassinado pelo orgulho e meu eu Tom se deixaria beijar quase que como um pedido de desculpas, no entanto, consciente de que tal ato nada significa para ela.
enfim, falei demais!

=D

Selene * disse...

Belo ,intenso.

Stéfani Zimmermann disse...

adorei seu blog , muito lindo ! passa lá ?

http://nuvem-de-amor.blogspot.com/
bjos *-*